sexta-feira, 17 de junho de 2011

Surplus, Martin Barbero e Orozco Gómez resolvem dialogar...


Surplus aborda a questão da sociedade de consumo de forma intrigante. A dinâmica de sua narrativa assemelha-se a um videoclipe. O filme faz uma crítica, bastante irônica, da sociedade de consumo, da relação muitas vezes compulsiva das pessoas com o capitalismo e com o consumismo, imposto a partir do desenvolvimento tecnológico. Irônica pela forma em que a questão do consumismo é abordada, de forma às vezes até cômica, misturando repetições de cenas, sonoridades e depoimentos, tornando-o visualmente interessante através de uma narrativa de fácil entendimento.
A história do filme é contada em torno dos depoimentos de John Zerzan, um anarco-primitivista americano, que durante anos teve como única fonte de renda seu próprio sangue e considera que a salvação do mundo é voltar ao tempo da pedra, desligando-se totalmente dos aparatos tecnológicos e destruindo a indústria e os hábitos de consumo, além disso, considera como violência não a destruição de coisas materiais e propriedades, mas sim a submissão das pessoas ao trabalho, visando o enriquecimento para sempre consumir e alimentar cada vez mais seus desejos consumistas.
O filme Surplus dialoga, intensamente com o texto de Orozco Gómez, a partir do momento em que surgem, em ambos os textos ( seja o audiovisual ou o escrito), a “dicotomia” entre a perspectiva tecnocêntrica e a sociocêntrica, contrapondo seqüências onde vemos a Microsoft, seu avanço simbólico e o isolacionismo trazido com este avanço tecnológico.
De acordo com Barbero, a mediação tecnológica está inserida em praticamente todos os aspectos da sociedade, modificando assim a questão das identidades culturais, dos laços sociais, e as possibilidades de convivência no nacional e ainda no local. Para ele, “o que a revolução tecnológica introduz em nossas sociedades não é nem tanto uma quantidade inusitada de novas máquinas, mas sim, um novo modo de relação entre os processos simbólicos e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços”.
O filme apresenta, através de dois personagens totalmente distintos, realidades diferentes da relação com o dinheiro, motor principal da sociedade do consumo. De um lado um jovem europeu, milionário aos 19 anos, que considera insignificante todo seu dinheiro. De outro uma jovem cubana, que após uma viagem a Europa voltou deslumbrada com o mundo consumista que existe fora de Cuba. Surplus faz uma critica a ambas as realidades, tanto a capitalista quanto a socialista, nesse caso o socialismo cubano. Enquanto uma sociedade bombardeia seus cidadãos com informação e produtos, em outra vemos o racionamento de gêneros alimentícios e a ausência de publicidade comercial, uma vez que, por exemplo, só há uma marca de creme dental e todos sabem qual é.

O mercado produz muito, mas a distribuição é desigual. A riqueza é acumulada por poucos, enquanto a grande maioria não tem dinheiro suficiente para acompanhar o ritmo alucinante do mercado. Como mostrado no filme 20% da população mundial utiliza 80% dos recursos naturais. A solução, no entanto não está no pseudo-socialismo, mostrado no filme através da realidade cubana. Sem se render ao capitalismo e o mercado, o governo cubano disponibiliza somente produtos que atendem as necessidades básicas da população, tornando Cuba “o país mais democrático do mundo”, nas palavras de seu ex-presidente Fidel Castro. Os cubanos compram arroz, feijão (rice and beans), carne, pasta de dente, etc., mas nenhum produto tem marca, por isso não há concorrência, sendo assim, não há ação do mercado e por sua vez da publicidade, que na ótica do filme, influencia a população a consumir e criar hábitos compulsivos de consumo. A única publicidade é a do próprio governo cubano.
            Com relação a publicidade, Barbero afirma que a mediação imagética, através de suas inúmeras formas de composição, seja pela televisão ou qualquer outro meio, é quase sempre associada e reduzida a um mal inevitável, a uma incurável doença da política contemporânea, mas, o que é transmitido através das imagens é uma construção visual do social, na qual essa visibilidade toma o deslocamento da luta pela representação da demanda de reconhecimento.
Através dos depoimentos de Zerzan fica claro que há uma falsa noção de liberdade pregada pela sociedade de consumo. Segundo ele, na sociedade de consumo as pessoas escolhem produtos da marca A, B ou C, esta é a liberdade. Portanto de uma forma ou de outra haverá sempre o consumo e a concorrência entre as empresas, que disponibilizarão cada vez mais bens de consumo, a maior parte deles supérfluos.
            Nesse sentido, Barbero afirma que o que a globalização põe em jogo não é só uma circulação maior de produtos, mas sim uma rearticulação profunda das relações entre culturas e entre países, mediante uma descentralização que concentra o poder econômico e uma desterritorialização que hibridiza as culturas. Para ele, “o capitalismo disciplina e controla os cidadãos contemporâneos, sobretudo através dos meios de comunicação”.
O filme também aborda as mudanças que a tecnologia causou no que se refere a relações interpessoais. Num depoimento de Bill Gates, ele afirma que a tecnologia teria como benefício aproximar as pessoas e estreitar as relações interpessoais, mas o que se vê na verdade é justamente o contrário, fato mostrado numa das cenas mais marcantes do filme, a fabricação de bonecas e bonecos artificiais, produzidos e idealizados de acordo com os desejos do comprador. Essa mudança no vínculo afetivo, de acordo com Barbero, “faz surgir nas pessoas um sentimento de impotência, pois seu trabalho, seu entorno e sua própria vida fogem aceleradamente de seu controle”.
Outra questão criticada no filme é a mudança, a partir da tecnologia, da relação das pessoas com o trabalho. A tecnologia tinha como objetivo otimizar o tempo dedicado ao trabalho, para que as pessoas tivessem mais tempo para se dedicar a família por exemplo, mas o que acontece na verdade é justamente o contrário. A tecnologia torna o homem muito mais atrelado ao trabalho, pois com os aparatos tecnológicos como o computador, celular, etc. as pessoas passam a levar o trabalho para dentro de casa, criando barreiras e afastando cada vez mais as pessoas. Na visão de Barbero, “submetido à dura lógica da competitividade, o trabalho sofre uma forte retração e até o desaparecimento do vínculo societário entre trabalhador e a empresa, afetando profundamente a estabilidade psíquica do trabalhador”, isso faz que os profissionais se tornem inseguros, cheios de incertezas, com tendências muito fortes a depressão e ao estresse afetivo e mental.
O filme também mostra as disparidades entre duas realidades de trabalho. De um lado está um executivo da Microssoft, que com pulos e gritos enlouquecidos de “I Love This Company, YEAH” demonstra todo seu amor pelo seu trabalho. De outro lado estão trabalhadores indianos, que passam todos os dias trabalhando na desmontagem e reciclagem de peças de navios. Duas realidades absolutamente opostas, mas que são influenciadas diretamente pelo mercado.

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